Quem me conhece sabe o quanto sou atraída ao conhecimento
dos sentidos humanos. E o quanto os associo à arte e também às experiências de
oração.
Lembro-me de em outra ocasião ter dito que os considero com
interfaces entre o corpo e a alma.
Esta semana estava lendo um livro em que o autor narra sua
pequena experiência com o sentido da visão. Gostaria de partilhar com vocês, é
um trecho do livro de Manuel Eduardo Iglesias, S.J. – Um retiro com o Pai
Nosso; pagina 22.
“ Gosto de contar o que aprendi
com dois amigos cegos.
Um deles me contou que agradecia a
Deus pela cegueira, pois, graças a isso, enxergava coisas que outros não
enxergavam. Na hora não pergunte nada e fiquei pensativo. Anos mais tarde outro
cego me esclareceu o ponto:
- Nós, cegos, enxergamos as
pessoas e a vida “de dentro para fora” e vocês enxergam “de foram para dentro”.
Pedi para me explicar melhor e não
me esqueci da resposta:
- Quando eu converso com alguém,
sou todo ouvidos para essa pessoa. Procuro sentir como ela é e como ela se
sente. Capto se ela é triste ou alegre, animada ou desanimada, feliz ou
frustrada... E até sinto as vezes que essa pessoa está doente e nem ela mesma
percebe. E só ao finalzinho é que eu me pergunto como será essa pessoa por fora.
Se ela é alta ou baixa, bonita ou feia, rica ou pobre... Isso para nós quase
que não tem importância. Porém, pra vocês, às vezes, justamente a aparência é o
mais importante. Se vocês não vão com a cara da pessoa, não dão bola e ficam
por fora mesmo... Perdem o que há de mais rico na pessoa, que é o seu “por
dentro”!
Fiquei admirado e muito me ajudou
essa visão para me relacionar com as pessoas e também para a vida de oração. O nosso
Deus, três pessoas divinas, quer ser conhecido assim... “de dentro para fora...”
É o que poderíamos chamar de olhar
de cego, que enxerga mais longe e mais profundo. Algo parecido poderia dizer em
relação aos outros sentidos: ouvir por fora ou por dentro, saborear, tocar,
respirar... Já os autores espirituais, de longa data, comparam ao modo como nos
situamos no mundo sensível a partir dos sentidos físicos. “
Identifiquei-me, de certa forma, com essa explicação do
cego, pois sinto que se todos nós humanos, nos dedicássemos a curar e ordenar
nossos sentidos teríamos uma visão muito mais rica e profunda sobre a vida, os
relacionamentos e o respeito pelas pessoas.
Hoje temos o perigo de industrializar nossos amigos e até
mesmo Deus, transformando-os em uma figura da qual atenda o meu prazer e minhas
exigência pessoais, porque na verdade eu enxergo apenas aquilo que quero ver,
escuto apenas aquilo que quero escutar e sinto somente o que me apraz. Deixamos
a verdade escapar por entre linhas de palavras incompletas ou por entendimentos
precipitados, movidos por sentidos desordenados. Daí surge os julgamentos, as
contendas e as separações.
Com os sentidos desordenados também não percebemos a vida
que acontece todos os dias, que se renova a cada manhã. A presença Real de Deus agindo em nós.
Aquilo que um dia tanto
almejamos, como por exemplo, acontecem em muitos casamentos do mundo, se tornam
rotina, perdem o encanto... Porque os olhos já não contemplam mais com atenção
o cônjuge, porque não há tempo para ouvir e escutar o outro, o tato não causa
mais emoção porque se torna como algo comum e não singular como nos primeiros
encontros.
Assim são as amizades, assim nos damos com os alimentos
sempre buscando por gostos pessoais e muitas vezes deixando de fora o saudável,
assim se dão tantas vezes com o nosso relacionamento com Deus, já não O busco
tal qual como Ele é, mas como gostaria que Ele fosse.
Posso estar errada em minhas filosofias, mas agindo assim só
nos afastamos de Deus, dos outros e infelizmente de nós mesmos.
Que o Espírito Santo nos ajude a encontrar a cura de nossos
sentidos humanos, e quem sabe ajudar na cura dos sentidos da sociedade.
Venite Creator Spiritus!
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